O empresário carioca Marcelo Marzola, de 33 anos, é um aficionado de fotografia. Ao longo dos últimos quatro anos, ele comprou mais de 20 câmeras e acessórios. Sua mais recente aquisição, uma relíquia sueca Hasselblad com quase três décadas de existência, foi arrematada em janeiro de 2009 no site americano de leilões eBay por 800 dólares. A euforia de Marzola, porém, durou pouco – tão logo o equipamento chegou ao Brasil, parou de funcionar. O empresário desembolsou, então, outros 300 dólares pelo conserto e, após um acordo com o vendedor nos Estados Unidos, foi ressarcido no mesmo dia. Nenhuma dessas transações – a compra ou o ressarcimento – foi realizada por cartões de crédito ou remessas internacionais de dinheiro. A moeda utilizada foi o e-mail. Mais especificamente, o e-mail registrado no site do PayPal, maior sistema de pagamento via internet do mundo, controlado pelo próprio eBay. Presente em 190 países, o PayPal concentra informações financeiras de mais de 200 milhões de clientes – para utilizá-lo, basta fornecer e-mail e senha. “Não fosse o PayPal, eu certamente não faria compras no exterior por não conhecer boa parte das lojas”, diz Marzola. A PayPal chega ao Brasil em agosto em busca justamente de consumidores digitais como Marzola, um mercado em franco crescimento. A estreia acontece após dois anos de ensaio – até agora, só os brasileiros com cartão de crédito internacional podiam utilizar o sistema. “O Brasil é uma das prioridades do PayPal”, afirma Mário Mello, presidente da operação brasileira. “Mesmo sem realizar transações em si tes brasileiros, já temos 2 milhões de usuá rios, que movimentaram 200 milhões de dólares em 2009.”
Fundado em 1998 por cinco empreendedores do Vale do Silício, na Califórnia, o PayPal já movimenta 71 bilhões de dólares anuais, 15% das transações online do mundo. Ao investir no Brasil, os americanos esperam tirar proveito de um mercado que em 2009 totalizou 10,6 bilhões de reais em compras pela internet – e que vem crescendo, em média, 30% ao ano, segundo a consultoria eBit. Mais do que o volume de dinheiro, o que seduz o PayPal é o potencial desse mercado. Os meios de pagamento online representam apenas 5% do varejo eletrônico nacional, dominado por cartões de crédito e boletos bancários. É com base nesses números que Mello, ex-vicepresidente do banco Safra, tem conversado com os 18 maiores sites de varejo do país, como B2W, Ponto Frio, Carrefour e Livraria Saraiva.
Embora pareça uma tarefa simples, tropicalizar uma operação como a do PayPal apresenta dificuldades. Um time de 20 programadores no Vale do Silício trabalha num sistema que possibilita o parcelamento das compras em mais de 12 vezes e em sua integração com o software dos bancos no Brasil. O maior desafio, no entanto, é convencer os grandes varejistas a abraçar a causa. Apesar de o sistema de pagamento virtual não ser uma novidade no país – o PagSeguro, do UOL, e o Pagamento Digital, do Buscapé, para ficar nos exemplos mais conhecidos, existem há pelo menos três anos -, os varejistas ainda estão reticentes em relação aos benefícios que a empresa americana pode oferecer. Isso porque o PayPal recebe um percentual que varia de 0,1% a 4,9% do valor da compra – quantia que pode ser bastante alta graças à enorme concentração do varejo brasileiro. Ao contrário do que acontece nos Estados Unidos, em que o mercado online é extremamente pulverizado (a Amazon, maior rede de comércio eletrônico, detém 18% das vendas), aqui as seis maiores redes online concentram 80% do comércio virtual. “O PayPal ainda precisa mostrar a que veio”, diz Marcilio Pousada, presidente da Livraria Saraiva. “Ele tem de oferecer vantagens ao consumidor capazes de compensar o custo de alterar nosso sistema de cobrança.”
Essa é a segunda vez que os caminhos de Mário Mello e do PayPal se cruzam. Na primeira, ocorrida entre 1998 e 2003, o executivo de 43 anos estava do outro lado do balcão, como vice-presidente da Visa para a América Latina, e assistiu de longe ao avanço do PayPal, que triplicou de tamanho logo após ter sido adquirido pelo eBay em 2002. Naquela época, a empresa de pagamentos online chegou a 12 milhões de clientes só nos Estados Unidos e dava início a seu processo de internacionalização – hoje 46% da receita do PayPal vem de fora do mercado americano. “A Visa subestimou o PayPal por considerá-lo um sistema de nicho”, diz um executivo que acompanhou de perto a disputa. “Quando eles começaram a se mexer, renegociando tarifas com os maiores sites de comércio online, já era tarde.” De 2002 para cá, a participação de mercado da Visa nas compras virtuais americanas caiu de cerca de 60% para 45% – ao passo que o PayPal saiu praticamente do zero e hoje responde por 16,5%. “Queremos repetir por aqui o mesmo roteiro”, diz Mello.