Desde o início do mês, crianças entre 9 e 16 anos, moradoras de Vitória (Espírito Santo), estão sendo vacinadas de forma experimental contra dengue.
É a primeira vez que a vacina é testada em humanos no Brasil. O público infantil e voluntário faz parte do estudo clínico que pretende, até 2013, elaborar uma dose eficiente – e ainda inédita nas redes pública e privada de saúde – contra a doença transmitida pelo mosquito Aedes aegypti.
A pesquisa é patrocinada pelo laboratório internacional Sanofi Pasteur, que realiza estudos sobre a vacina da dengue em vários países do mundo.
No Brasil, informa a farmacêutica, a escolha de crianças e adolescentes para iniciar os testes é justificada por dois motivos: há dois anos, os casos de infecção passaram a ser muito mais comuns em pessoas com menos de 15 anos no País. Esta parcela hoje representa 25% do total de registros e, há 10 anos, como mostram os dados do Ministério da Saúde, não chegavam a somar 2% dos registros.
Além disso, os ensaios mundiais já mostraram que as mesmas doses testadas com sucesso em pacientes infantis têm ainda mais êxito quando aplicadas na população adulta. “Nossos estudos já foram feitos em pessoas de dois a 45 anos do mundo todo”, afirma o vice-presidente de Desenvolvimento Clínico da Sanofi Pasteur, Fernando Noriega.
“A explicação para o resultado ainda melhor no paciente mais velho é que ele, normalmente, já teve contato com algum tipo do vírus da dengue. A combinação entre esta experiência anterior e o anticorpo da vacina é o que potencializa o resultado.”
O infectologista Reynaldo Dietze, diretor do Núcleo de Doenças Infecciosas da Universidade Federal do Espírito Santo (UFES), é quem acompanha os testes clínicos da vacina contra dengue. Segundo ele, além dos pais, as próprias crianças também assinam o termo de adesão ao estudo. Até agora, já foram vacinados de forma experimental 50 meninos e meninas. Até o final de outubro, serão inseridas outras 100 crianças nos testes (totalizando 150). Serão ao todo três doses, com intervalo de seis meses entre cada uma.
“Além de Vitória, também vão participar crianças de outras três capitais: Natal, Campo Grande e Goiânia, totalizando 8 mil voluntários”, afirmou Dietze. “Nesta primeira etapa no ES, selecionamos voluntários matriculados em escolas públicas e privadas. O monitoramento prévio feito por palmtops mostrou as áreas mais endêmicas e menos endêmicas da cidade, o que facilitou o critério de inclusão no estudo”, completa o médico.
Uma parte das crianças receberá a vacina efetiva e a outra apenas um placebo. Com os resultados comparativos será montado um banco de dados. O passo seguinte é tentar aprovação sanitária para que a vacina chegue ao mercado. Essa previsão é só para depois de 2013.
Outras iniciativas
Além da Sanofi Pasteur, o Instituto Butantan, em São Paulo, e a Fundação Oswaldo Cruz, no Rio de Janeiro, também estão em busca de uma imunização contra a dengue. As duas últimas instituições, entretanto, ainda não iniciaram os testes em seres humanos. Todas afirmam que o foco é produzir doses que abasteçam o sistema público de saúde.
No total, são quatro tipos de vírus transmitido pelo Aedes e o grande desafio dos pesquisadores é encontrar uma única dose eficiente contra todos os tipos.
Segundo a Sanofi, a vacina que agora começa a ser testada é feita com o vírus vivo e com uma mescla dos quatro sorotipos da dengue. A composição tem ainda uma variação atenuada da vacina contra a febre amarela – doença parecida com a dengue, que já provocou epidemia no Brasil e que já conta com uma imunização de eficácia comprovada cientificamente.
A FioCruz realiza as pesquisas sobre a vacina em parceria com o laboratório GSK e até agora aplicou os testes só em primatas. Já o Butantan desenvolve as pesquisas em parceria com o Instituto Nacional de Saúde Pública dos Estados Unidos usando uma estratégia diferente. Primeiro encontrou uma vacina para cada tipo de dengue. Depois misturou os quatro em dose única e agora pretende testar para saber se funciona.
“Não acredito que a vacina contra dengue composta também pela vacina da febre amarela seja a melhor para a realidade brasileira”, afirma Isaías Raw, que já presidiu o Instituto Butantan e hoje é liderança científica da instituição na área de imunização. “Isso porque pode haver interações no resultado se a pessoa já tiver sido vacinada contra a febre amarela anteriormente. A vacina que negociamos é completamente diferente”, completa Raw.
“Queremos andar mais depressa, porque só matar mosquito não vai resolver o cenário que hoje é crítico”, diz ao citar que não há prazo definido para que os testes comecem em humanos.
Versão mais grave
A necessidade de uma vacina contra dengue aparece com o próprio histórico da doença. A cada quatro anos, em média, um novo ciclo de epidemia inicia. O ano 2010 vai terminar com casos recordes de dengue e a projeção do Ministério da Saúde para 2011 é que, se nada for feito, 19 Estados terão situação epidêmica.
Levantamento feito pelo Instituto de Patologia e Saúde Pública da Universidade Federal de Goiás mostra que entre 2000 e 2010 foram acumulados 4,4 milhões de casos de dengue, sendo 13.493 do tipo mais grave (com hemorragia) e 898 óbitos.
“A partir de 2006 tivemos duas mudanças importantes no quadro”, afirma João Bosco Siqueira, professor do Instituto, um dos autores do levantamento e atual assessor em dengue do Ministério da Saúde. “A primeira é a migração de casos para o público infantil. Algumas cidades, principalmente as populosas, as crianças já são 50% dos casos”, afirma.
“A outra mudança é que o número de internações por dengue também aumentou. Antes, para cada 20 casos confirmados era uma internação. Hoje, a média é de uma internação para cada 10 registros.”