Uma dieta com elevado consumo de sal durante a gestação poderá gerar indivíduos que, na idade adulta, terão hipertensão arterial. Por outro lado, se o consumo de sal durante a gravidez for baixo, o problema pode ser o desenvolvimento de resistência à insulina.
Esses são alguns dos resultados obtidos em estudos feitos com ratos pela equipe do professor Joel Claudio Heimann, livre-docente da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP), que investiga os efeitos das alterações no ambiente perinatal, que engloba o período gestacional até o final da lactação.
O trabalho de pesquisa faz parte do projeto temático “O sistema renina-angiotensina em prole de mães submetidas a alterações no ambiente perinatal”, coordenado por Heimann e apoiado pela Fapesp (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo).
“É importante frisar que esses resultados não significam necessariamente o aumento da mortalidade dos ratos na idade adulta”, disse Heimann à Agência Fapesp, salientando também que a pesquisa não pode ser extrapolada para humanos sem estudos adicionais de validação dos resultados no homem.
Mesmo assim, o trabalho vem produzindo dados importantes sobre o papel do sal durante o período gestacional. Por exemplo, a dieta hipossódica, com restrição de sal, levou à formação de animais que, na idade adulta, apresentaram excesso de colesterol (hipercolesterolemia).
Esses mesmos animais também apresentaram maior resistência à insulina. “Isso significa que eles precisam de mais insulina para manter os níveis normais de açúcar no sangue”, explicou Heimann.
Outro efeito curioso observado é que as fêmeas – mas não os machos – das proles de mães que consumiram dieta com pouco sal durante a gestação e amamentação desenvolveram obesidade na idade adulta.
Os mecanismos responsáveis por qualquer caso de obesidade podem ser a maior ingestão de alimentos com conteúdo calórico elevado, o menor gasto energético decorrente de sedentarismo ou peculiaridades do metabolismo (como o hipotiroidismo) ou o conjunto dos mecanismos.
“No nosso estudo, o primeiro fator foi excluído. As fêmeas obesas não ingeriram mais ração do que o grupo controle – prole de mães alimentadas com ração com conteúdo normal de sal durante o período perinatal. Em conclusão, restou a hipótese do menor gasto energético”, disse.
Outra linha de estudo abordada no projeto analisa alterações na prole de mães com hiper ou hipotiroidismo durante a gestação. Coordenado pela professora Maria Luiza Morais Barreto de Chaves, do Instituto de Ciências Biomédicas da USP, o estudo descobriu que filhotes de mães que sofrem de hipertiroidismo nascem com baixo peso.
Heimann lembra que o nascimento abaixo do peso pode ser indicativo de complicações na idade adulta. Esse problema foi apontado pela primeira vez pelo epidemiologista inglês David J.P. Barker, criador da hipótese do fenótipo econômico segundo a qual mães que sofrem restrições na alimentação durante a gestação produzem filhos menores de forma a adaptá-los às condições de escassez do ambiente.
Efeitos da poluição
Outra linha de pesquisa que está sendo abordada no projeto analisa os efeitos da poluição atmosférica na gestação. Esse estudo é coordenado pelo professor Paulo Saldiva, do Departamento de Patologia da FMUSP, especialista na relação entre poluição atmosférica e saúde.
Baixo peso ao nascimento, diminuição da fertilidade e hipertensão arterial, como efeitos da poluição, também foram verificados em humanos. Outro efeito observado tanto em animais como em seres humanos cujas mães foram submetidas à poluição durante a gestação é a geração de mais fêmeas do que machos. “Essa é uma linha de investigação importante, especialmente para cidades com índices de poluição, como São Paulo”, disse Heimann.
Para o professor da USP, a maior contribuição desse projeto está em chamar a atenção para fatores capazes de alterar a programação do feto sem modificar a estrutura do DNA. Fatores importantes, como a resistência à insulina surgem e são passados de uma geração para outra e dependem apenas das condições encontradas durante o período gestacional.
Chamados de mecanismos epigenéticos, por não serem localizados no genótipo, esses fatores têm demonstrado possuir um grande grau de influência sobre as características dos indivíduos. “Os estudos vêm mostrar que não é somente a genética, mas há estímulos que reprogramam o feto e causam alterações profundas no organismo”, disse Heimann.
Com isso, o pesquisador já nota mudanças nos procedimentos médicos. “Os obstetras, por exemplo, que antes se preocupavam muito em manter o peso da gestante, hoje são mais flexíveis nesse ponto, uma vez que gestações com restrições calóricas extremas possuem efeitos negativos sobre a prole”, afirmou.
* Com informações da Agência Fapesp